sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Cartas de Amor

Foi em uma tarde de outono que tudo começou, as folhas caíam suavemente em meio a rua, enquanto as árvores iam, a cada vez mais, perdendo seu volume. Tornando-se galhos retorcidos, que me lembravam filmes de romances americanos, pouco antes da chegada do inverno. Cheguei mais cedo do trabalho neste dia, e como de costume, antes de abrir a porta de casa, chequei a caixa de correios. Início de mês, muitas faturas de contas à pagar, separei-as e em meio as faturas, me deparei com uma carta qualquer. Não possuía sequer um remetente, o que despertou minha curiosidade logo de cara. Não há mais ninguém, além de mim, nesta casa, logo, a carta devia ser destinada à mim, e logo a abri. O papel da carta, cheirava um perfume, meio amadeirado, mas indefinido. As letras eram suaves, como se o autor tivesse medo de machucar o papel com a ponta da caneta. Era uma carta de amor, lindos versos preenchiam cada linha, cada parágrafo, por toda a página. Aquilo fora deveras muito estranho, nunca tive um amor, muito menos alguém que me amasse. Com certeza devia ter sido um grande engano, um engano anônimo, aliás, não tão anônimo. Ele assinava como "Seu Primeiro Amor", sim, ele escreveu como se realmente fosse seu nome, letra maiúscula no início de cada palavra. Passou-se um dia, dois... Passou-se uma semana - já havia me esquecido da tal carta - quando recebi uma outra, versos e mais versos de amor, admiração e coisas do tipo. Foi assim por longos oito meses. Ele me escrevia no mínimo duas vezes por semana, e eu me acostumei com isso, mesmo sem saber de quem se tratava. Cheguei a pensar que o conheceria um dia. Em algumas cartas ele se descrevia pra mim, gostos musicais, cor dos olhos e cabelos, estatura, comida predileta, etc. E de uma forma inexplicável, passei a ansiar por suas cartas, sonhava com "ele" quase todas as noites, mesmo sem o conhecer, era ele que eu desejava, queria a presença daquele poeta, que enchia meus dias de uma enorme graciosidade, amor e paz. Queria que ele soubesse disso, sim, queria poder vê-lo, toca-lo e dizer o quanto ele tinha me feito bem durante todo aquele tempo. Aguardava ansiosa pelo dia em que ele colocasse nas cartas qualquer meio de contato, procurei nas entrelinhas, tentei identificar alguma charada, mas nada, nenhuma pista, nem mais um dado.  Foi uma espécie de conto de fadas, um sonho impossível, no qual eu, que nunca havia amado ninguém, me apaixonei. Por um homem invisível que podia ser qualquer um, que podia estar mais perto do que imaginava. Lembro-me bem de sua última carta, o "Seu Primeiro Amor" disse que iria demorar um pouco para escrever a próxima, e que sentiria saudades. Dessa forma, passou-se um mês, um ano, dois, três, cinco anos, e ele não me escreveu. Não sei se algo lhe aconteceu, se seu sentimento acabou... Não sei nem por onde ele anda, se já casou... Se tem filhos, se continua trabalhando como arquiteto ou se mudou de profissão. Não sei nem mesmo o nome, mas confesso, que o tal homem tinha um dom profético, assinou por meses como "Seu Primeiro Amor", e acabou tornando-se, verdadeiramente, o único e o primeiro.

Amanda K. Abreu